quinta-feira, 26 de julho de 2012

LONDRES 2012


Bicampeão mundial de ginástica artística caiu na infância, como em Pequim, mas teve direito a uma segunda chance. E arrancou aplausos do público

 Nem toda garotada de Ipanema pensava dia e noite em praia e sol. No Colégio Pinheiro Guimarães, em junho, meados dos anos 90, o burburinho girava em torno de uma apresentação de festa junina. A farra seria no Clube de Regatas do Flamengo. Uma das professoras buscava um palhaço acrobático para fazer piruetas durante a brincadeira.  Durante a semana, soube nas reuniões de classe que um dos alunos, com menos de 10 anos, tinha se tornado centro das atenções após dar cambalhotas nas salas de aula e no pátio, no recreio. Seu nome? Diego Hypolito, irmão de Danielle, atleta de ginástica artística do próprio clube rubro-negro.
O sorridente menino, que já fazia ginástica em Santo André, no Sesi, antes de vir para o Rio e sonhava seguir os passos da irmã no Flamengo, era a alegria das crianças e adorou a ideia. No dia da apresentação, um infortúnio por pouco não estragou a festa. Devido a uma goteira, a quadra da Gávea estava molhada após uma chuva. Na primeira intervenção, Diego escorregou e caiu. O constrangimento tomou conta do público. O garoto começou a chorar. Mas pediu à professora para voltar. Queria repetir corretamente a série. A partir dali, deu tudo certo. No fim, palmas para ele. Era como se o apresentador dissesse: "Com vocês, o artista do espetáculo."
Diego cresceu, virou atleta, mas não qualquer atleta. Num esporte até então pouco comum aos brasileiros como a ginástica artística, fez romenos, russos, americanos e chineses tremerem. O pódio passou a virar quase uma residência. Temido, bicampeão mundial em 2005 e 2007, chegou aos Jogos de Pequim como favorito no solo. Mais uma vez, o destino aprontou. E olha que o brasileiro fazia uma apresentação impecável. Mas, no fim, perdeu o equilíbrio depois do seu último salto. Caiu. Perdeu 800 pontos na contagem e o ouro. Nada também de prata ou bronze. Ganhou o sexto lugar e um pesadelo. Um longo pesadelo.
queda diego hypolito treino (Foto: Agência Reuters)Em Pequim, a história da infância se repete, mas sem direito a uma segunda chance: Diego Hypolito cai e deixa o ouro escapar. Agora, em Londres, tem a chance de superar derrota  (Foto: Agência Reuters)
O atleta sofreu. A família sofreu. Mas o sobrenome Matias Hypolito é sinônimo de DNA desbravador, bem-sucedido. Sem a segunda chance que teve no Pinheiro Guimarães, quando menino, mesmo assim Diego se levantou. No mesmo ano, em dezembro, fez o Natal ficar menos triste: cravou ouro em solo, novamente, na final da Copa do Mundo em Madri. De lá para cá, caiu, voltou de novo a ficar de pé e vive agora, aos 26 anos, em Londres a ansiedade de ter a segunda chance em Olimpíadas. E, para Diego e o torcedor brasileiro, é como se o apresentador voltasse a dizer: "Com vocês, o artista do espetáculo."
- Em todas as apresentações de festa junina ou fim de ano, sempre fomos assistir. E é sempre muito lindo. Ali no colégio Diego já estava mostrando a determinação dele. E o Diego e a Dani aprenderam que você pode cair, porque os obstáculos são colocados em nossas vidas para serem superados. É um guerreiro. Errou? Ele vai retornar, lutar para fazer melhor do que já tinha feito. Acho que veio com ele esse espírito guerreiro, essa paixão, essa vontade de vencer, vencer lutando, não fica esperando que as coisas aconteçam - disse, emocionada, a mãe, Geni, quando ainda arrumava as malas para Londres.
A saga de Diego, com as quedas e superações que fizeram sua história na ginástica artística, fecham a série "Como Nascem os Campeões", que teve ainda Cesar Cielo, Maurren Maggi, Robert Scheidt e Fabi.
HQ Hypolito (Foto: arte esporte / cláudio roberto)
Gratidão
Geni já está em Londres com o marido, Vágner, pai de Diego, e Édson, o irmão mais velho do ginasta, que chegou a seguir a mesma carreira mas não suportou as obrigações que o esporte impõe, como abrir mão em demasiado da vida pessoal para seguir a dura rotina de treinos. A família está toda reunida à espera da apresentação de Diego e Danielle. Quatro anos depois, a ausência em Pequim ainda deixou marcas.
- Foi muito difícil. Nós não fomos, por alguns motivos, e sofri muito com ele. Quando caiu lá, caí de joelhos e disse a Deus: "Não, Senhor, não pode." Eu não acreditava. Mas em nenhum momento contestamos. Ali, achei que foi sobrenatural ele ter caído, jamais caiu nessa passada. Acho que é para ele se tornar melhor. O imprevisto aconteceu, mas você se torna muito forte na derrota. Agora, foi muito sofrimento, sim. Se estivesse lá, talvez  tivesse gritado antes, talvez... Não sei, é coisa de mãe... Ele não teria caído. Queria muito a medalha. Não é só para ele. Queria mostrar, entregar para o Brasil. A gente teve que ter forças, porque logo em seguida ele tinha a grande final do Mundial. E foi campeão nesse mesmo ano. Deus sabe o que faz - afirmou Vera.
No colégio Pinheiro Guimarães, os professores que viram as primeiras piruetas de Diego Hypolito estão sempre grudados na TV quando ele disputa competição importante. Ana Lúcia Viana, a professora que convidou Diego para ser o palhaço acrobata na festa junina, lembrou logo do episódio quando viu a queda em Pequim.
- Só que em Olimpíadas não dá para ele fazer de novo, né? Agora ele deve estar se preparando muito para não errar mais. Naquele episódio do colégio, não seria comum um menino pedir para repetir depois de errar. A maioria das crianças no lugar dele ia morrer de vergonha e querer sair dali. Ele não, nunca teve vergonha de estar em público, sendo o centro das atenções. Tanto que fazia no recreio para as pessoas verem. É bem dele mesmo. O erro deu mais gás para tentar acertar, mostrar o que sabia fazer. Tinha que ser o Diego mesmo - disse Ana Lúcia, hoje coordenadora da turma da manhã do ensino médio e fundamental do Pinheiro Guimarães.
O pai, Vágner, lembra que o filho, desde pequeno, sempre se espelhou na irmã. Daniele Hypolito abriu as portas não só para Diego como para a ginástica brasileira. Quando saiu de Santo André e foi para o Rio em 1994, com 10 anos, para atuar no Flamengo, levou na bagagem para o Rio toda a família. O pai era motorista. A mãe, costureira. Os dois do Paraná. O clube deu salário, moradia, no prédio da antiga sede do Morro da Viúva, e escola para os irmãos. Em 1997, Daniele escapou do acidente de ônibus com toda a delegação rubro-negra que vitimou seis pessoas e deixou paraplégica sua técnica e descobridora, Georgete Vidor. Depois, começou a colher os louros e se tornou a primeira ginasta brasileira a conquistar medalha: foi prata em 2001, no Mundial de Gent, na Bélgica. E já vai para a quarta participação em Olimpíadas - foi a Sydney (2000), Atenas (2004) e Pequim (2008).
- Ele tem a maior gratidão por ela. Fala que tem a Daniele como um ídolo. Se precisar, vai defendê-la, e ela também o defende no que for preciso. Os dois são muito carne e unha. Ela sempre falava: "Diego, você tem que fazer ginástica. Nós viajamos juntos, vamos para o mesmo lugar, competir no mesmo dia." Aí ele fez esse teste na ginástica, gostou e está até hoje. Diego foi muito arteiro, nossa... (risos).  Hoje é um campeão. Tem muita coisa ainda para apresentar. As Olimpíadas no Rio. Vai participar, com certeza, com a graça de Deus. E a Daniele, se encerrar cinco Olimpíadas no Rio? Seria um presentão. Sinto orgulho dos dois - disse Vágner.
Garoto agitado
O pai, que no Rio já trabalhou na Suderj, no Maracanã, foi manobeiro em academia e está há 11 anos na CCR Nova Dutra, concessionária da Rodovia Presidente Dutra, lembrou: desde pequeno o menino era agitado e não parava em lugar nenhum. Geni contou que Édson, Dani e Diego aprontavam juntos em casa. Faziam ginástica no sofá, no chão, na cama, em todo lugar. No começo, Dani admirava Luisa Parente e outras atletas pioneiras no esporte. E foi levando a paixão a Diego, sempre hiperativo. No colégio, o garoto também não parava. Parecia precisar botar a energia para fora, segundo Carlos Eduardo Schmidt, o Cadu,  professor de português, literatura e inglês
- Eu estava no quadro, colocando alguma coisa, corrigindo algum exercício. Quando olhei, ele estava fazendo uma ponte perfeita. Falei: "Caramba, que legal, mas depois você copia o exercício, porque ponte na sala de aula... né?"... "Ah, tá, professor." Aí eu cheguei para ele, não sabia que era atleta ainda: "Você faz ginástica olímpica?" "É, eu sou o Diego Hypolito, irmão da Daniele". "Ah, tá, então tá". E aí outras vezes isso aconteceu, mas era comum, hábito dele, e tal. De repente ele se alongava um pouquinho, fazia alguma coisa assim, mas não era nada acintoso, era divertido. E as pessoas adoravam...
Quando viu pela primeira vez, Renato Marmeroli, professor de física e biologia, foi outro que se assustou com a "arte" do menino Diego.
MONTAGEM - mosaico diego hypolito  (Foto: Editoria de arte / Globoesporte.com)No sentido horário, momentos  de Diego: acima, à esquerda, o 1º Mundial, em Melbourne, em 2005. Depois, a Copa do Mundo em São Paulo, em 2006, e um dos ouros no Pan do Rio, em 2007. Na foto maior, entre o 2º e 3º colocados, o bi mundial em Stuttgart. Em 2008, força na chegada após a derrota em Pequim. No mesmo ano, 1º em Madri. Em 2011, bronze em Tóquio e ouro no Pan de Guadalajara  (Montagem sobre fotos)
- Eu me surpreendi na hora. Estava no intervalo, fui tomar um café na cantina. Aí quando cheguei na quadra, vi o Diego Hypolito dando as piruetas, os saltos mortais dele. Pensei: "Ele sabe fazer." Mas com tanta facilidade, parecia uma folha de papel. Eu mesmo passei a pedir para que ele fizesse, assim como outros professores e alunos em geral. Ele desafiava a física.
Desafios
Desafiar a física, o esporte... Diego sempre gostou disso. Com apenas três anos de idade, aprontou ao subir num caminhão carregado. O tio caminhoneiro acabara de chegar a Santo André, de passagem. Na distração, Vágner levou para dentro de casa com Geni o cunhado. Quando viu pela janela, já era tarde mais.
diego hypolito infância  (Foto: Thiago Correia / Globoesporte.com)Menino, Diego Hypolito mostra seu talento
(Reprodução arquivo pessoal / Globoesporte.com)
- Ele estava tentando descer pela corda. Eu saí correndo, mas não deu tempo. Quando fui chegando ao portão, ele escorregou e caiu no chão. Os óculos cortaram todos os cílios dele. Corri para o hospital. Como aquele menino foi parar lá no alto do caminhão? - disse Vágner.
- Eu fiquei socorrendo a Dani e o Édson, porque o Diego foi para o hospital, e o Édson teve um princípio de convulsão, de tanto que foi o susto - afirmou Geni..
- O Diego criança é a mesma coisa hoje. Ele é feliz. Isso define muito o que é, independentemente do que aconteça ou deixe de acontecer. Hoje, pode estar mais ou menos, fica no canto dele, mas cinco minutos depois bate na porta do quarto, entra, taca a roupa no chão, joga travesseiro, volta, te busca, te obriga a ver filme com ele, não gosta de ficar em casa. Isso desde pequeno, quando a gente morava em Santo André. A casa era pequena, mas o quintal era muito grande, tinha até um tio meu que faleceu, irmão da minha mãe. Ele colocava colchão, levava os móveis da minha mãe para fora, e a gente ficava pulando, brincando de saltos, esconde-esconde, de subir em árvore, pegar manga no pé no sítio... Coisas assim - contou, aos risos, o irmão, Édson.
E o menino Diego seguia desafiando. Ainda novo, desafiou a medicina ao receber o diagnóstico de doença de Scheuermann. A doença era um transtorno causado pela grande carga de peso imposta ao seu físico, ainda em fase de desenvolvimento. As consequências danosas iriam para a coluna vertebral. A maior? Má postura. O médico recomendou que largasse a ginástica. Nem o garoto nem a família aceitaram.
Diego Hypolito mundial ginástica (Foto: Reuters)Diego Hypolito repete as piruetas dos tempos de infância: agora valem pontos e medalhas (Foto: Reuters)
Triunfos
Bom para Diego, bom para o Brasil. O tratamento com um médico do Flamengo deu certo. O garoto cresceu com o esporte. Em 2004, já com 19 anos, após ver sua irmã ganhar prata em Gent, na Bélgica 2001, no solo, e Daiane dos Santos faturar ouro em Anaheim, nos EUA, em 2003, também no solo, venceu sua primeira etapa  da Copa do Mundo, no Rio. Daí em diante, abocanhou vários títulos. Ganhou o primeiro Mundial em Melbourne, na Austrália. Deixou para trás o canadense Brandon O'Neill e o húngaro Robert Gal, prata e bronze.
Dois anos depois, levou o bicampeonato, em Stuttgart, na Alemanha. Com 16,050 pontos no solo, conquistou a vaga para a final do aparelho. Na decisão, pontuou 16,150, e desbancou gente como o espanhol Gervasio Deferr e o japonês Hisashi Mizutori, segundo e terceiro lugares. Antes, no Rio, havia brilhado no Pan-Americano, com dois ouros no salto e no solo. Aí, superou o americano Guillermo Alvarez.
Nada emocionou mais a mãe de Diego do que a conquista do primeiro Mundial, em 2005. Ainda mais porque, naquele momento, o ginasta brasileiro vinha de seguidos problemas de lesão. Os dois estavam em Curitiba, e Geni, católica, já tinha levado o filho à igreja para rezar na quinta-feira.
Diego Hypolito na apresentação em Londres (Foto: Ivo Gonzalez / Agencia O Globo)Ginasta brasileiro espera trazer medalha de Londres
(Foto: Ivo Gonzalez / Agencia O Globo)
- Ele estava treinando e no sábado faria a avaliação para saber se iria ao Mundial. Aí eu falei: "Diego, nós vamos para a igreja." Cheguei, entramos no táxi, acho que o taxista lá de Curitiba lembra até hoje dessa história... O Diego falou: "Mãe, eu consegui!". E as lágrimas corriam. "Estou indo para o Mundial, mãe!" Só sei que ficamos muito tempo na igreja. Quando meu filho foi campeão, foi muito grande a minha emoção. Fiquei muito feliz e grata a Deus. Ninguém esperava que ele seria campeão mundial. Veio o Pan do Rio, foi show. A primeira medalha de ouro ofereceu para mim, no dia em que ele estava fazendo aniversário. Depois ganhou em Madri, teve o ouro do Pan em Guadalajara...
A mãe tem uma memória e tanto. Lembrou com carinho até da primeira viagem de Diego com a seleção brasileira, quando, em Cuba, sumiu de perto do grupo porque procurava desesperadamente por uma miniatura de Fidel Castro. A recordação valeu boas risadas.
Lesões
Mas nem tudo foi alegria. Desde o primeiro grande título, na final da Copa do Mundo de 2004, entre as conquistas e derrotas, o ginasta conviveu com lesões. Às vésperas de Pequim, se submeteu a uma artroscopia no joelho e foi diagnosticado com dengue. No ano seguinte, foi prejudicado na etapa de Londres por causa do ombro esquerdo lesionado. Ainda machucado, no mesmo ano conquistou o tetra inédito da Copa do Mundo em Osijek, na Croácia. Mas, em 2010, a lesão no pé esquerdo o levou a sua pior cirurgia e o tirou do Mundial de Roterdã. Este ano, operou novamente o pé, há dois meses. Nada que desanime a confiança para Londres. Édson lembra um dos pontos fortes do irmão, que aos 26 anos pode fazer o Brasil inteiro sorrir.
- Tem o atleta esforçado e o talentoso. Normalmente o talentoso é um pouco preguiçoso, porque ele sabe que se treinar um pouco, consegue superar o esforçado. Isso não é na ginástica, é no futebol, em qualquer outro lugar. Você vê o Neymar jogando... Ele joga porque brinca mesmo, está feliz ali. É exatamente assim que eu defino o Diego: feliz no que faz. É um dos poucos atletas que se mantêm hoje no mundo, como o Dragulescu (romeno), em alto nível. Porque normalmente atleta vive muito de fase, principalmente na ginástica. Se ficar um mês parado, perde muita coisa. O Diego é impressionante. Ele operou, 30 dias depois voltou como se nada tivesse acontecido. Recupera-se muito rápido, é assíduo no que faz, muito determinado, acima da média. Não deixa a peteca cair.
diego hypolito museu (Foto: Ismar Ingber)Diego Hypolito posa como estátua em museu:  o 'artista' brasileiro vira uma obra de arte (Foto: Ismar Ingber
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