terça-feira, 24 de julho de 2012

LONDRES 2012



Obstinação do velejador em treinamentos terrestres explica sucesso aquático dele. Relação com o esporte vem desde a infância


Robert Scheidt
 precisou da terra para mandar na água. Não tivesse uma alma de anfíbio, os bichos que se adaptam aos dois ambientes, não teria garimpado tantos metais em Olimpíadas: ouro em Atlanta, ouro em Atenas, prata em Sydney, prata em Pequim. O fenômeno da vela mundial é o fruto mais nutritivo da onda de talentos saída das represas e mares brasileiros. Suas façanhas são explicadas um pouco pela influência da família, um pouco pelo talento natural, um pouco pelo ambiente propício à evolução e um tanto pelo esforço sobrenatural, diferenciado, para atingir a perfeição.
Robert Scheidt infância vela  (Foto: robertscheidt.com.br / divulgação)Alegria na água: Scheidt se sentia em casa ali desde criança (Foto: robertscheidt.com.br / divulgação)
Robert começou a velejar ainda criança, porque outros integrantes da família Scheidt já velejavam. Desde o início, esteve entre os melhores, mesmo competindo com atletas mais velhos. Assim que começou a treinar, foi comandado por um ótimo professor e dividiu águas com atletas de altíssimo nível. E, acima de tudo, ofereceu à vela uma dedicação que nenhum outro atleta teve.
Assim nasceu um campeão. Um, não: um dos maiores. Além dos feitos olímpicos, tem 11 conquistas mundiais.
A história de Scheidt é a terceira da série "Como Nascem os Campeões". Domingo, o especial começou com Cesar Cielo. Na segunda-feira, a personagem foi Maurren Maggi. Na quarta-feira, seguirá com Fabi, do vôlei. Na quinta, Diego Hypolito, da ginástica olímpica, é o último.
A água como habitat natural
Robert Scheidt infância vela  (Foto: robertscheidt.com.br / divulgação)Scheidt com apenas dois anos já velejava com o 
pai (Foto: robertscheidt.com.br / divulgação)
As águas eram um habitat tão natural para Robert, quando criança, quanto a casa dele. O menino de cabelos claros, quase brancos, nasceu em uma família de velejadores. Era uma paixão que o pai dele, Fritz, já tinha passado a seus dois irmãos, Thomas e Carla.
Com dois anos, Scheidt já acompanhava a família em incursões na água. Primeiro, usava boias nos braços. Depois, nadava com naturalidade. Adorava aquela rotina - desde pequeno, tem a pele bronzeada como um traço físico inconfundível.
Mas ele começou a velejar mesmo aos nove anos, em Ilhabela, no litoral norte de São Paulo. Sua atividade, porém, ficou muito pouco tempo restrita àquele espaço. Ele logo rumou para o YCSA (Yacht Club Santo Amaro), na capital paulista. Foi ali que encontrou seu desenvolvimento, sua base. Foi ali que começou a construir suas medalhas.
A turma era das boas. O treinador dele foi Dudu Melchert, o mentor de boa parte dos velejadores brasileiros. Entre os colegas, estava Bruno Prada, que hoje é dupla dele na classe Star (estarão juntos nas Olimpíadas de Londres), além de outros meninos que depois teriam bons resultados - caso de Felipe Echenique e Lars Reibel. Nascia uma era de grandes conquistas para a vela brasileira.
Ao mar
Robert Scheidt infância vela  (Foto: robertscheidt.com.br / divulgação)Scheidt (C) aprende a dar nós na aula de Dudu
Melchert (Foto: robertscheidt.com.br / divulgação)
Dudu Melchert começou a dar aulas de vela, na classe Optimist (exclusiva para meninos até 15 anos), em 1982. A ideia era reunir uma garotada que tivesse talento e vontade e dar a ela uma orientação até então rara no esporte. Robert Scheidt fez parte disso.
Foi uma base essencial. O conhecimento deles partia do zero. A garotada velejava quase por instinto.
- O Dudu Melchert foi o primeiro técnico que todos nós tivemos. A classe Optimist em São Paulo, em 85, 84, era muito forte, mas não tinha estrutura de técnico. Para o Brasileiro de 85, em São Paulo, o Dudu chamou todo mundo e deu uma clínica para a gente. Foi o primeiro técnico que um monte de gente teve. Estavam lá o Robert, o Bruno (Prada), todo mundo. A gente tinha 11 anos. O Dudu foi uma peça muito importante no desenvolvimento de toda essa geração em São Paulo - comenta Felipe Echenique.
Era impossível saber que ali estavam futuros campeões e um futuro colecionador de medalhas olímpicas. Para o crescimento dos garotos na vela, Dudu teve uma decisão certeira: mesclou as águas calmas da represa de Guarapiranga com a agitação do mar. Para ele, foi ali que houve o estalo que mudou uma geração inteira - e Scheidt, em especial.
- Em pouco tempo este grupo foi melhorando, e fui o primeiro treinador a levar este time para o mar em São Sebastião. Com esse mix de mar e represa, ou seja, ventos variáveis com condições fortes de mar e onda, começamos a formar uma geração de grandes velejadores. Até hoje esse é o nosso segredo para formar tantos campeões - observa o treinador.
Scheidt era mais novo do que muitos dos garotos com quem competia. E não era o melhor. Echenique, por exemplo, foi três vezes campeão paulista e duas vezes campeão brasileiro, com o futuro bicampeão olímpico sempre como vice dele.
- Ele ia muito bem, mas era junto de uma turma top. Não tinha um destaque absurdo. Era um cara top, mas como havia outros. De certa forma, dava para ver que era muito bom, porque os resultados eram muito bons, mas não era dominante - lembra Echenique.
Ainda na classe Optimist, Scheidt começou a chamar a atenção. Por exemplo: com 11 anos, foi campeão sul-americano no Chile. O gaúcho Alexandre Paradeda, também velejador, percebeu que havia algo de diferente ao ver que aquele garoto encarava adversários mais velhos.
- Conheci o Scheidt no meu primeiro campeonato brasileiro de Optimist. O cara já se mostrava diferente. Ele tinha 12 anos e competiu com caras de 14, 15. E foi vice - destaca Paradeda.
A classe Optimist foi um ensinamento para Scheidt até ele deixá-la, com 14 anos. Já estava grande demais para ela. Os resultados começaram a ser prejudicados por seu tamanho. Teve que migrar para as classes Snipe e Laser. Em 1990, foi vice na primeira e campeão brasileiro júnior na segunda. Começava a explosão dele. E a percepção de que precisava se entregar de corpo e alma àquilo. Especialmente de corpo...
O anfíbio
Robert Scheidt infância vela  (Foto: robertscheidt.com.br / divulgação)Bicicleta ajudou a formar a fortaleza física de
Scheidt (Foto: robertscheidt.com.br / divulgação)
Treinar forte na água era normal para Scheidt e para todos os outros. O diferencial nele foi a entrega obstinada às atividades em terra. Ele percebeu que precisava ser mais forte, mais ágil, mais preparado do que os outros.
E foi. Dudu Melchert lembra que ele não se satisfazia com a forte carga de treinos específicos. Assombrava a todos com a manutenção das atividades fora d'água.
- Velejar de Laser é uma atividade atlética para poucos. O cara tem que ter preparo, dedicação e diciplina para aguentar a batida de treinos na água e nas regatas. O Robert não só fazia de tudo na água, como chegava em terra, pegava a bicicleta e ia pedalar. Fazia isso de duas a três horas, aí chegava e ia nadar mais meia hora e depois parava. Ninguém acreditava que, depois de ter velejado aquilo tudo, o cara tinha gás para pedalar e nadar. Fez isso muitas e muitas vezes na Ilhabela para se preparar para grandes campeonatos. Isso deixava todo mundo de queixo caído - recorda Dudu.
Scheidt gostava de pedalar desde criança. E também gostava de tênis - chegou a titubear entre a raquete e a vela. Fez atividades de atletismo também. Assim, criou forte base física, algo preponderante no esporte que escolheu para o resto da vida.
- No Laser, com 16, 17 anos, ele começou com uma supremacia importante. Era muito treino. Quando você sai da Optimist, é lá com 15 anos, numa época complicada, o cara começa a namorar. O Robert foi um que continuou. Não teve nenhuma parada. Com 16 anos, já tinha tamanho para velejar bem de Laser - observa Echenique.
- Ele nunca negligenciou nenhuma parte da preparação. Ele sempre focou em tudo. É mais completo do que os outros. Ele nunca deixou nenhum ponto negligenciado. Ele focava no campeonato do ano e fazia tudo por ele. Nisso, ele é mais fenomenal ainda - completa Paradeda.
Claus Biekarck também treinou Scheidt. Trabalhou com ele de 1996 até 2005. E é mais um a destacar a entrega física como um dos elementos do sucesso do velejador.
- Acredito que os principais fatores são o talento nato para o esporte, o prazer em velejar, a disciplina, a dedicação, o preparo físico e autoconfiança - opina.
Com o tempo, muitos velejadores preferiram seguir outro caminho. Echenique, por exemplo, hoje é diretor do Banco Safra. Mas Scheidt insistiu.
A decisão e o ouro
Rrobert Scheidt vela 1996 (Foto: Divulgação)Rrobert Scheidt comemora ouro no YCSA em 96
(Foto: robertscheidt.com.br / Divulgação)
Velejadores geralmente pertencem a famílias bem constituídas financeiramente. Por isso, é comum que os atletas entrem em uma faculdade. E aí é o momento decisivo, a encruzilhada: encarar a profissão que os estudos oferecem ou seguir mergulhado na vela.
Scheidt seguiu o segundo caminho. A faculdade jamais distorceu sua rotina de treinos. Formou-se em administração em 1996. Mas manteve o foco nas águas.
- O Robert foi evoluindo muito. E foi focando no Laser, treinando. Mesmo que tivesse faculdade, não importava: era treino, treino, treino. E a parte física ia junto - explica Echenique.
No mesmo ano em que ganhou o diploma, Scheidt conquistou seu primeiro ouro olímpico. Foi vencedor em Atlanta. Recebeu o sinal definitivo de que era ali que deveria investir. O engordamento de seu currículo provaria que ele estava certo.
De bolhas e façanhas
Robert Scheidt, Olimpiadas 2004 (Foto: Agência Reuters)Robert Scheidt exibe ouro conquistado nas
Olimpíadas de 2004 (Foto: Agência Reuters)
O resto é vitória. Scheidt seguiu treinando cada vez mais - e ganhando cada vez mais. Deixou a quem o acompanhou exemplos de superação.
- Lembro de uma vez em que ele estava para ganhar um Mundial e, já na chegada, veio um juiz e deu uma bandeira amarela para ele. Ele estava para cruzar a linha. Ele tomou essa bandeira amarela e teve que sair da regata. Foi para a última regata do dia não podendo ir mal, contra um australiano que só precisava estragar a regata dele. Qualquer outro cara teria desistido. Aquilo virou uma empreitada. E o cara se recuperou... Foi em 15 ou 20 minutos. Ele ganhou o campeonato na última regata - lembra Paradeda.
Dudu Melchert, que tanto trabalhou com Scheidt, viu o resultado do esforço expresso em bolhas. Depois de um de seus vários títulos, o velejador abriu as mãos e mostrou ao treinador as provas carnais do sacrifício.
- Um fato muito gratificante para mim foi quando encontrei com ele no YCSA no dia seguinte à chegada dele do Mundial da África do Sul, em 1996. Foi seu segundo título mundial, e eu dei um grande abraço nele, orgulhoso do feito. Depois, ele me mostrou suas mãos, todas inchadas e arrebentadas depois de todo o vento que tinha dado na Cidade do Cabo. Aquilo era a mostra de uma vitória de um grande bravo. Neste dia eu tive a certeza de que ali estava um supercampeão. Logo depois, ele ganhou sua primeria medalha de ouro em Atlanta. Eu estava orgulhoso de ter treinado um cara como ele
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