segunda-feira, 16 de julho de 2012

NATAÇAO



Homem a ser batido nas provas de velocidade, brasileiro chega a Londres mais forte mentalmente e confiante de que pode ser ainda mais rápido


Cesar Cielo limites natação (Foto: Getty Images)Até onde? Cielo prevê 'grandes mudanças' nos tempos da
natação, com provas mais disputadas (Foto: Getty Images)
Uma desclassificação desencadeou três dias de choro. Foi demais para o coração daquele menino de 11 anos tocar a borda da piscina na frente e ver a medalha parar no peito de outro. E por um erro seu. Duas temporadas depois, já não tinha vontade de continuar. Não aguentava mais treinar. Aos olhos dele, parecia não ser feito da mesma fibra dos adversários, que ganhavam tudo o que teimavam nadar. Foi a primeira sensação de limite imposta a Cesar Cielo por Cesar Cielo. O problema não era o corpo, mas a cabeça. Convencido pela família, deu-se nova chance. Quando menos esperava, estava treinando ao lado de Gustavo Borges. Quando se deu conta, estava morando nos Estados Unidos e deixando de ser o "caipira magrinho do Brasil" para virar um dos grandes nomes da história do NCAA. Não demorou para ser campeão olímpico, campeão e recordista mundial, homem a ser batido nas provas de velocidade. Tudo isso num fôlego só, como numa prova de 50m livre.
Até que foi preciso pegar ar, ao saber que tinha testado positivo para o uso de furosemida, um mês antes do Mundial de Xangai, fez a respiração mudar. Julgado pela Corte Arbitral do Esporte, recebeu uma advertência e foi liberado para competir. Respirou fundo, fechou os ouvidos e mergulhou, disposto a mostrar que aquilo não seria um limitador para ele. As duas medalhas de ouro (nos 50m livre e nos 50m borboleta) foram a resposta que precisava.
- Antigamente eu achava que cada corpo tinha um limite. Acho que vai chegar uma hora que deve ter, sim. Hoje acho que o limite é de cada um e não geral. Aparece alguém geneticamente melhor ou algum Michael Phelps ou Mark Spitz, que mudam parâmetros. Hoje, com profissionalismo e recursos que não existiam, vemos vários mudando esses parâmetros. Na década de 90, Matt Biondi fazia 48s4 sem tantos recursos na piscina, de sunga mesmo, e esse ainda é um tempo competitivo. A época dos supermaiôs deu uma mexida na cabeça e abriu uma porta nova. Tudo está caminhando para grandes mudanças nos tempos, com provas muito disputadas. O primeiro meio que faz os outros acreditarem. Eu via um tempo forte, achava importante fazer e chegava na competição e fazia. É uma questão de acreditar que vai dar certo, de que nada mais está muito distante - disse Cielo.
Info Tempos Cielo (Foto: infoesporte)
Nem sempre foi assim. A força mental que o diferencia dos rivais foi adquirada no último ciclo. Lá no comecinho da carreira, sofria ao ver Lucas Salatta e Igor Nishi vencerem tudo. Nunca esqueceu o nome dos dois. Por muito tempo, era para eles que os olhos de Cesar estavam voltados.
- Eu nadava costas ali ainda com 13 anos. E eles dois ganhavam tudo (risos) e eu me comparava com os meninos da minha idade. Os 50m livre na verdade eu comecei a nadar mesmo com 14 anos, no fim de 2001. Com 16, bati o recorde do Chico Piscina, que sobreviveu. Pessoalmente é bacana ver que ele dura. Mostra que é forte. Mas tem o lado negativo, de mostrar que a geração que está subindo está um passo atrás da atual. Mas acho que faz parte do processo recordes serem batidos.
Poucas coisas me tiram do sério de verdade. Sou meio extremo em tudo. Vou do zero ao 100 muito rapidamente. Fico p. da vida mesmo com besteira. Quando não acho uma coisa que deixei num lugar e não acho. Quando o trânsito interfere no meu horário de treino e fico pensando como fazer para sair daquela situação. Fico irritado com tudo que atrapalha a minha rotina de atleta"
Cesar Cielo
Só que para poucos isso vira rotina. Cielo faz parte deste grupo. Pulverizou marcas de Gustavo Borges e Fernando Scherer, seus ídolos. Ainda era pouco. Faltava ser o melhor, dominante como foi Aleksandr Popov nos 50m e 100m livre. Faltava ver aquele WR (recorde mundial) ao lado de seu nome. A obsessão pela perfeição e a disciplina o levaram a isso. E é difícil para ele aguentar a pressão quando as coisas não saem do jeito que imaginava. Nessas horas, prefere se isolar porque costuma ficar muito, muito bravo. É o limite de espaço de Cielo. A família já se acostumou. Aliás, desde pequeno impôs poucas regras a ele. Bom filho, bom aluno, bom atleta. Não era preciso muito. No esporte, quem ditou as regras foi ele mesmo, com pouca intervenção dos pais.
- Quando pensei em parar de nadar, eles é que seguraram e pediram para eu continuar. Mas não forçavam a barra se eu não quisesse treinar. Eu é que sempre decidi mesmo e eles seguiram me apoiando. Eu estava cansado dos treinos, de saco cheio e não estava nadando bem. Também 400m eu já não tinha mais como nadar bem (risos). Mas eu fui campeão paulista e brasileiro e achei que nadava essa prova. Aí mudei para 50m e 100m.
A mudança só é encarada como problema quando atinge a sua rotina. É aí que mora o limite fora da piscina. Normal, para um metódico confesso para tudo, desde horários até a alimentação.
- Poucas coisas me tiram do sério de verdade. Sou meio extremo em tudo. Vou do zero ao 100 muito rapidamente. Fico p. da vida mesmo com besteira. Quando não acho uma coisa que deixei num lugar e não acho. Quando o trânsito interfere no meu horário de treino e fico pensando como fazer para sair daquela situação. Fico irritado com tudo que atrapalha a minha rotina de atleta. Isso me incomoda bastante. A minha vida é em torno da rotina e não o contrário. Mas eu gosto de vida regrada, me sinto bem com tudo dividido durante o dia. Mantém a minha cabeça ocupada.
Cesar Cielo limites natação (Foto: AFP)Cielo: 'Vai chegar uma hora que não vai dar para baixar mais o tempo. Mas estou longe disso' (Foto: AFP)
Nos Jogos de Londres, ela estará programada com um tempo que só ele e o técnico Alberto Silva conhecem. Estará abastecida com imagens de uma prova perfeita, do alto do pódio. É lá que Cielo se vê mais uma vez nos 50m livre. Também cobiça a sua segunda medalha nos 100m. Em Pequim, há quatro anos, abriu sua participação com uma medalha de bronze. Há quem queira tomar seu trono, como já deixou claro o australiano James Magnussen. Ele dá de ombros. Prefere manter a concentração e desafiar o cronômetro mais uma vez. Quer ser o dono do melhor tempo do mundo após a era dos trajes tecnológicos. Por enquanto, ele está em poder de Fred Bousquet, o amigo e rival que está fora das Olimpíadas. Por enquanto.
- Acho que vai chegar uma hora que não vai dar para baixar mais o tempo. Porque me dedico intensamente e acho que uma hora o corpo não produzirá velocidade e talvez tenha que batalhar muito para ganhar um centésimo. Mas estou tranquilo porque sei que estou longe disso (do limite) ainda. Fiz 21s38 no Troféu Maria Lenk e vi que ainda dá para melhorar bastante. É bom ter essa sensação.
Se dentro d'água ainda não há amarras, do lado de fora Cielo tem um dos poucos limites que reconhece: o ciúme das medalhas olímpicas. Em Pequim, além dele apenas Brett Hawke, seu treinador na época, podia carregá-la. As duas permaneceram dentro de uma meia, na tentativa de evitar arranhões. Meses depois, um telefonema e um pedido inusitado: um palestrante queria alugar as medalhas para mostrá-las num evento. Sem chances. Elas permaneceram no banco, muito bem guardadas, para alívio do dono. Cielo espera que em breve ganhem companhia
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