terça-feira, 3 de julho de 2012

CLASSICOS

Paixão que começou com figurinhas pôs ídolo na história do clássico e deixou apenas um lamento: não ter virado personagem de Nelson Rodrigues


O nome é de santo: Benedito. Mas foi com o sobrenome que Assis escreveu algumas páginas marcantes da centenária história do Fla-Flu. Porque não há jogador no mundo que não sonhe fazer o gol do título em uma decisão diante do maior rival. Duas vezes seguidas, então, nem se fala. O toque sutil que tira o grito de gol da garanta aos 45 minutos do segundo tempo. A cabeçada perfeita para repetir a dose um ano depois diante do Maracanã lotado e extasiado. Lances que colocaram o ex-camisa 10 para sempre na lista de personagens históricos do clássico e foram até previstos antes das partidas pelo ex-jogador, que, curiosamente, foi comprado do Atlético-PR como contrapeso do amigo e eterno companheiro Washington. Santo para os tricolores, diabo para os rubro-negros, Assis nasceu Benedito e virou Carrasco.
assis fluminense especial fla-flu (Foto: Fernando Araújo / Globoesporte.com)Assis exibe as faixas de campeão carioca de 1983, o primeiro dos dois títulos sobre o Flamengo: ex-meia hoje trabalha em Xerém com as categorias de base do Tricolor (Foto: Fernando Araújo / Globoesporte.com)
- O mais engraçado é que todos os meus amigos me chamam de Carrasco. Ninguém fala Assis. Legal, né? É praticamente meu segundo nome. Eu gosto porque me marcou de uma forma positiva. É um carrasco legal, diferente. Lembro-me de ter perdido poucas vezes defendendo o Fluminense contra o Flamengo. Acho que só perdi uma vez (risos) - provocou Assis, que, na verdade, tem um retrospecto de cinco vitórias, seis empates, três derrotas e cinco gols em 14 jogos diante do Rubro-Negro.
- É um clássico agora centenário. E saber que eu faço parte disso é muito bom. Mas nada caiu no meu colo. Tinha o sonho de jogar no Maracanã, de defender o Fluminense... Consegui muito mais. Para mim, o Fla-Flu tem apenas um significado: Tricolor. Não fosse esse clube, eu não teria chegado à consagração, às vitórias, à idolatria, ao reconhecimento... É o maior clássico que já disputei. Ser idolatrado até hoje por essa torcida me deixa muito feliz.
Castelo da paixão tricolor
Uma história com três cores, dois gols decisivos e um personagem especial. Se a relação de sucesso contra o Flamengo não nasceu 40 minutos antes do nada (como Nelson Rodrigues se referia ao clássico) e só surgiu nas Laranjeiras, o amor pelo Fluminense veio bem antes. Paulistano de nascimento, Assis se apaixonou pelo clube colecionando figurinhas de futebol na infância. Segundo ele, a imagem de um castelo tricolor em um álbum lhe chamou a atenção. Do papel para a vida real, a distância atrapalhava. Sem televisão em casa, precisava se virar para ver a reprise das partidas. Em 1968, ele viveu a primeira ida ao estádio para ver o time jogar. No placar do amistoso, empate por 1 a 1 com o Palmeiras no Palestra Itália.
O mais engraçado é que todos os meus amigos me chamam de Carrasco. Ninguém fala Assis. Legal, né? É praticamente meu segundo nome. Eu gosto porque me marcou de uma forma positiva. É um carrasco legal, diferente".
Assis, o Carrasco
A carreira profissional pelo interior de São Paulo começou anos depois, em 1972. Fã de Escurinho (quinto jogador que mais vestiu a camisa tricolor, com 490 jogos), com quem divide o nome Benedito e, dizem nas Laranjeiras, o estilo de jogo, Assis nunca tinha marcado um gol contra o Flamengo até chegar ao Fluminense. Oportunidades, porém, não faltaram. Nas semifinais do Brasileiro de 1983, pouco antes de ser contratado pelo Tricolor, o meia viu o Atlético-PR ser eliminado pelo Rubro-Negro e passou em branco na segunda partida. Na primeira, estava suspenso. Uma decepção que o marcou, mas que seria devolvida meses depois com juros.
- Pelo São Paulo, os enfrentei logo na primeira partida. Era um amistoso para apresentar os reforços e entrei só no segundo tempo. Depois, foi em 83, já com a camisa do Atlético-PR. Nas quartas de final, eliminamos o São Paulo com duas vitórias: 2 a 1 em Curitiba e 1 a 0 no Morumbi. No segundo jogo, fiz até o gol da vitória. Mas o Wright (ex-árbitro José Roberto Wright) me deu cartão amarelo e fui suspenso da primeira partida contra o Flamengo pela semifinal. E o time sentiu minha falta. Eu estava em uma ótima fase. A bola batia na minha nuca e entrava. Acabamos perdendo por 3 a 0 no Rio. E depois só conseguimos vencer por 2 a 0 em Curitiba. Não marquei contra eles por outros clubes. Na verdade, deixei para fazer todos os gols pelo Flu (risos) – brincou Assis, que defendeu o clube entre 1983 e 1987, com 180 jogos e 57 gols.
De contrapeso a ídolo
A humildade e serenidade dos tempos de jogador seguem firme nos dias atuais. Assis garante: nunca pensou que faria história em um Fla-Flu decisivo. Sonhava, sim, defender o Tricolor e jogar no Maracanã. Quando via as partidas pela televisão, se pegava pensativo: "Um dia, quem sabe?". Mal sabia ele o que o destino lhe reservava. Quando o Fluminense anunciou em 1983 o desejo de buscar Washington no Atlético-PR, o sonho quase ruiu. O Furacão avisou que só aceitava vender a dupla, mas Assis se sentiu desprestigiado. Um verdadeiro contrapeso.

- Fiquei chateado com a situação, não nego. A minha vontade de jogar no Rio e defender o Fluminense estava desmoronando. Mas conversei com o Roberto Seabra, supervisor da época, e ele me tranquilizou. Disse que eu seria muito bem recebido e que ia gostar da cidade. E foi o que aconteceu. Quando cheguei, o diretor de futebol Nílton Graúna me deu muita força e acabei mudando de opinião. Deu no que deu – relembrou o ídolo tricolor, que atualmente trabalha em Xerém com as categorias de base do clube.
Cinco meses após ser contratado, Assis se via diante do Flamengo pela primeira vez com a camisa tricolor. Era 11 de dezembro de 1983. Depois de empatar com o Bangu na rodada inicial do triangular final que decidiria o Campeonato Carioca, o Fluminense precisava vencer para continuar sonhando com o título. Em um jogo truncado, com direito até a urubu dentro de campo nos minutos iniciais, o 0 a 0 persistiu até os 45 minutos e 30 segundos da etapa final. Após um erro da arbitragem, que marcou impedimento inexistente quando o rubro-negro Adílio entrava livre na cara de Paulo Victor, Deley acertou um lançamento perfeito para Assis. Com tranquilidade, o camisa 10 ainda teve tempo de levar a bola para a perna esquerda e tocar na saída do goleiro. Gol de craque, gol marcante, gol de título, gol previsto em uma brincadeira na concentração (veja o lance no vídeo acima).
ESPECIAL FLA-FLU gol assis  (Foto: Agência O Dia)Assis toca na saída de Raul, aos 45 minutos e 30 segundos do segundo tempo, para marcar o gol que viria a garantir o título carioca de 1983 ao Fluminense (Foto: Agência O Dia)
- O gol mais marcante foi o de 1983, no último minuto. Ali o Flamengo não teve mais chance de reação. Era meu primeiro ano no Fluminense e foi um dos dias mais importantes da minha vida. Meu parceiro de quarto na concentração era o Jandir. Antes do jogo, estávamos no hotel depois do lanche e senti que ele estava nervoso. Daí eu falei: "Tá com medo, Jandir? Se estiver, fala comigo, que eu te tranquilizo fazendo um gol na final." Depois, já no vestiário, passei pelo Newton Graúna, que era o diretor de futebol da época e foi uma pessoa que lutou muito pela minha contratação. Ele estava estranho e eu logo falei: "Alguém arruma um calmante pro Graúna? O cara está tremendo! Pode deixar que eu vou fazer o gol" - recordou.
Dito e feito. Assis não desperdiçou a chance que teve diante de Raul, após arrancada pela direita. Após o gol, Assis e o dirigente comemoraram loucamente.
- Pode até pegar as imagens e ver. Depois que a bola entra, ele sai pulando do banco e invade o campo para me abraçar. Eu não sabia nem o que estava acontecendo. Tanto que saí colocando a mão na cabeça sem saber o que fazer. Nunca tinha vibrado daquele jeito. Fiquei até preocupado com a saída de bola, em ter mais um ataque do Flamengo. Mas o jogo já tinha acabado. Acho que a ficha só começou a cair quando eu cheguei em casa.
Bastou esperar a última rodada, na qual o Flamengo derrotou o Bangu, para festejar o título. Em 1984, antes de encarar o Rubro-Negro novamente no triangular decisivo, Assis ajudou o Fluminense a conquistar o bicampeonato brasileiro. No Carioca, a situação era um pouco diferente do ano anterior. Depois de derrotarem o Vasco, Fla e Flu se enfrentaram dessa vez no último jogo da fase final. O vencedor seria o campeão estadual. Bola levantada na área pelo lateral-direito Aldo aos 30 minutos do segundo tempo. Salto perfeito, cabeçada no ângulo. Novo gol de Assis (veja no vídeo abaixo). Nova premonição. Nascia ali o Carrasco.
- No ano seguinte, teve outra história engraçada. O zagueiro Jaime, que jogou comigo no São Paulo e era um grande amigo, foi almoçar lá em casa no sábado antes da decisão. Eu avisei para ele que ia fazer o gol do título de novo. Até hoje me lembro dele falando que eu já tinha feito o gol no ano anterior e seria uma grande zebra fazer de novo. Falei só que ia dar o título ao Fluminense outra vez e ligava para ele na segunda para comemorar. O engraçado é que ele torcia pelo Flamengo. Perdeu, mas teve de comemorar comigo (risos). Fiz uma brincadeira e acertei de novo. Depois daquele jogo, a torcida começou a me chamar de Carrasco e não parou mais - frisou.
Só faltou a crônica de Nelson...
Já na história do Fluminense e do Fla-Flu, Assis teve apenas uma coisa a lamentar: sonhava ter seus gols decisivos narrados pelo dramaturgo Nelson Rodrigues em uma de suas famosas crônicas sobre futebol. Tricolor de coração, Nelson faleceu em 1980, três anos antes de o ex-jogador se contratado. Restaram a saudade e a amizade com Nelsinho, filho do ilustre torcedor.
(...) Acho que faltou isso. Poder ver um texto do Nelson Rodrigues sobre os meus gols. Gostaria muito que ele estivesse vivo para ver. Seria uma honra para mim".
Assis
- Nelson era dramaturgo dos bons. Tenho uma grande amizade com o Nelsinho, o filho dele. Aliás, vivia na casa do Nelsinho. Ele contava as histórias do pai. Eram sensacionais. Acho que faltou isso: poder ver um texto do Nelson Rodrigues sobre os meus gols. Gostaria muito que ele estivesse vivo para ver. Seria uma honra para mim.
Benedito de Assis Silva completa 60 anos em 2012. Assim como o Fla-Flu, que também chega a uma marca redonda este ano, a história do ex-meia se confunde com a do Tricolor. Coincidentemente, no dia de seu aniversário, 12 de novembro, é comemorado também o Dia do Fluminense. Números, fatos e gols que fazem de Assis um dos ídolos da centenária história do clube das Laranjeiras e do clássico mais charmoso do Brasil. No jogo festivo que antecederá o clássico do próximo domingo, o ex-jogador fará parte da comissão técnica tricolor. Fora de forma, não quer entrar em campo para fazer feio. Até porque sabe que a pressão dos tricolores por mais um gol sobre o rival seria grande.
assis fluminense especial fla-flu (Foto: Fernando Araújo / Globoesporte.com)Faixas, camisa, homenagens... Assis tem boas lembranças (Foto: Fernando Araújo / Globoesporte.com)
- Faz tempo que eu não jogo. Entrar e fazer feio não é legal. Posso ficar no banco e ser treinador. Porque se eu jogar, a torcida tricolor vai me cobrar um gol sobre o Flamengo como nos velhos tempos. Se na época de profissional já era difícil, imagina agora? (risos) - finalizou.

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